sábado, 29 de novembro de 2014

AS VIOLAÇÕES NA SEGURANÇA DO PACIENTE ...




A área da segurança do paciente enfrenta a tensão entre uma abordagem sistêmica, "sem culpabilidade", e a necessidade de responsabilizar os prestadores por um desempenho precário. Não há estudos que descrevam as atitudes dos profissionais de saúde e dos pacientes em relação aos métodos para promover a adesão às práticas de segurança do paciente.
As respostas às violações de protocolos foram agrupadas em três categorias no trabalho “Responding to clinicians who fail to follow patient safety practices: perceptions of physicians, nurses, trainees, and patien”: retroalimentação (que teve apoio universal, sendo, portanto, excluída da análise), notificação pública e sanções (multas, suspensão, demissão). Examinaram as diferenças de opinião entre os grupos sobre o uso da notificação pública e das sanções e sobre o número de transgressões que deveriam ser notificadas ou sofrer sanções. Um maior número de participantes apoiou a notificação pública e as sanções nos casos de não-adesão à pausa pré-operatória e à avaliação do risco de quedas do que nos lapsos de higienização das. As sanções foram apoiadas com mais frequência que a notificação pública em todos os grupos e situações. Médicos e pacientes expressaram atitudes semelhantes em relação à notificação pública e às sanções, mas os pacientes apoiaram o uso de sanções após um número de transgressões significativamente mais baixo.
Depois de uma década enfatizando as respostas "sem culpabilidade" aos riscos de segurança do paciente, tanto profissionais de saúde como pacientes acreditam agora que os prestadores do cuidado de saúde devem ser responsabilizados caso não sigam protocolos básicos de segurança.
Fonte: http://proqualis.net/

terça-feira, 25 de março de 2014

COMPLEXIDADE E PENSAMENTO COMPLEXO ...



A complexidade corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à interação contínua da infinidade de sistemas e de fenômenos que compõem o mundo, as sociedades humanas, a pessoa humana e todos os seres vivos. Não é possível reduzir a complexidade a explicações simplistas, a regras rígidas, a fórmulas simplificadoras ou a esquemas fechados. Ela só pode ser entendida e trabalhada por um sistema de pensamento aberto, abrangente e flexível - o pensamento complexo. 

O modelo mental linear e a lógica do «ou/ou», que praticamente excluem a complementaridade e a diversidade, podem coexistir com um modelo mental integrador e a lógica inclusiva do «e/e». Ambos são necessários e úteis consoante as situações e os problemas com que nos deparamos. No caso da medicina e das intervenções em saúde, as questões da percepção, da objetividade, da subjetividade, dos modelos de causalidade, da explicação de efeitos, da compreensão da conduta humana, da relação médico-paciente, entre outros, podem beneficiar dos novos modos, conceitos e instrumentos práticos da complexidade e de mudanças nos nossos modos de perceber o mundo, de pensar e, consequentemente, de interatuar com ele.

Comecemos com uma breve introdução ao tema complexidade e pensamento complexo. A complexidade não é um conceito teórico e sim um facto. Corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenómenos que compõem o mundo natural e as sociedades humanas. Os sistemas complexos estão dentro de nós e a recíproca é verdadeira.

É preciso, pois, que procuremos entendê-los, porque por mais que tentemos não conseguiremos reduzir a complexidade a explicações simplistas, regras rígidas, fórmulas simplificadoras ou esquemas fechados. Ela só pode ser entendida e trabalhada por um sistema de pensamento aberto, abrangente e flexível — o pensamento complexo. Trata-se de uma teoria (que hoje já dispõe de um conjunto de instrumentos práticos) que aceita e procura compreender as muitas faces e as mudanças constantes do real e não pretende negar a multiplicidade, a aleatoriedade e a incerteza.

Em nossa cultura, existe um modo hegemônico de pensar que determina as práticas no dia-a-dia, tanto no plano individual quanto no social. Esse modelo é o pensamento linear-cartesiano, que, como se sabe, foi muito influenciado por um aspecto importante do pensamento de Aristóteles: a lógica do terceiro excluído.

Essa lógica levou à ideia de que se B vem depois de A com alguma frequência, B é sempre o efeito e A é sempre a causa (causalidade simples). Na prática, essa posição gerou a crença errônea de que entre causas e efeitos existe sempre uma contiguidade ou uma proximidade muito estreita. Essa concepção é responsável pelo imediatismo, que dificulta e muitas vezes impede a compreensão de fenômenos complexos como os de natureza bio-psico-social.

Por esse modelo, A só pode ser igual a A. Tudo o que não se ajustar a essa dinâmica fica excluído. É a lógica do "ou/ou", que praticamente exclui a complementaridade e a diversidade. Desde os gregos, esse modelo mental vem servindo de base para os nossos sistemas educacionais e, consequentemente, para as nossas práticas quotidianas. Também desde essa época ele é questionado.  Platão, por exemplo, escreveu: “Separar cada coisa de todas as demais é a maneira mais radical de reduzir a nada todo o raciocínio. Pois o raciocínio e a conversa nasceram em nós pela combinação das formas entre si". (Sofista, 259e).

O modelo mental linear é necessário para lidar com os problemas mecânicos (abordáveis pelas ciências ditas exatas e pela tecnologia). Mas não é suficiente para resolver problemas humanos em que participem emoções e sentimentos (a dimensão psico-social). Por exemplo, o raciocínio linear aumenta a produtividade industrial por meio da automação, mas não consegue resolver o problema do desemprego e da exclusão social por ela gerados, porque essas são questões não-lineares. O mundo financeiro é apenas mecânico, mas o universo da economia é mecânico e humano.

O pensamento complexo baseia-se na obra de vários autores, cujos trabalhos vêm tendo aplicação à educação, biologia, sociologia, antropologia social, medicina, aos negócios/administração e ao desenvolvimento sustentado.  As considerações que se seguem representam uma tentativa de mostrar como as chamadas ciências da complexidade e o pensamento complexo têm contribuído para as interações entre as pessoas e destas com a sociedade e o meio ambiente. Como não poderia deixar de ser, a medicina e as ações de saúde desempenham um papel da maior relevância nessas interações.

Dada a amplitude do assunto, escolhemos para este texto falar sobre uma de suas muitas facetas. Falemos, por exemplo, sobre algumas descobertas recentes da ciência cognitiva e suas aplicações, em especial a questão da percepção.

Do ponto de vista ortodoxo, o mundo exterior ao observador é considerado «objetivo». Tudo o que nele existe é antecipadamente dado, isto é, prévio ao observador. Nessa ordem de ideias, o mundo é visto como um objeto do qual o sujeito (observador) está separado. Esse modelo mental constitui a base do empirismo, que afirma que a realidade é única e por isso mesmo deve ser percebida da mesma forma por todos os homens. A mente é o espelho da natureza e, por isso, percebemos o mundo exatamente como ele é.

Nossa percepção é, portanto, uma representação mental do que está fora de nós. É o que se denomina de representacionismo. Em consequência disso, ao relatar a alguém o modo como percebemos o mundo, «transmitimos» o resultado de nossas percepções «objetivas». Numa aula, por exemplo, o professor «transmite» seus conhecimentos aos alunos. É o chamado instrucionismo. Sob esse ponto de vista metodológico não há aprendizado, há instrução.

Repitamos: o representacionismo é a suposição de que nossa percepção resulta em representações mentais dos objetos percebidos. Nessa linha de raciocínio, o mundo deve ser visto do mesmo modo por todas as pessoas. Cada observador deve ser capaz de descrevê-lo da mesma forma, e quem não tiver essa capacidade está “com problemas” e deve ser convertido à visão «correta», isto é, ao modo de ver predominante.

Foi o que se fez, por exemplo, na China de Mao Tse Tung, onde os dissidentes ideológicos eram confinados e redoutrinados. Esse processo acabou por se estender – e de maneira violenta – a todo o país, por meio da conhecida Revolução Cultural. Nesse caso, o mundo «objetivo» a ser percebido era o que estava descrito no «Livro vermelho dos pensamentos de Mao». Na antiga União Soviética, os dissidentes do Partido Comunista eram enviados a campos de concentração ou internados em instituições psiquiátricas. Esses exemplos são apenas uma pequena amostra dos milhares disponíveis nos registos históricos. Constituem mais um capítulo da volumosa e triste história das ideologias e dos fundamentalismos.

Apesar de a experiência quotidiana nos mostrar a cada passo que a percepção não ocorre assim, a teoria representacionista – hoje sob crescente questionamento – continua a ser amplamente adotada. Em seu nome, as sociedades em que vivemos a todo instante nos pedem que sejamos «diretos» e «objetivos». No entanto, recentes descobertas da ciência cognitiva e da neurociência já revelaram que o mundo externo é percebido de acordo com a estrutura cognitiva do observador. Percebemos o mundo segundo o modo como essa estrutura está preparada para percebê-lo, e não «exatamente» como ele é, ou seja, não «objetivamente».

Já tratei com detalhes desse particular em outros textos e não o farei de novo aqui. De todo modo, convém lembrar alguns pontos.

1. Como acabamos de ver, cada observador percebe o mundo externo de acordo com sua estrutura cognitiva, isto é, do modo como ele está preparado para percebê-lo.
2. Por outro lado, o mundo externo também percebe o observador – e fá-lo segundo sua própria estrutura, ou seja, da maneira como está preparado para percebê-lo. Por exemplo, quando caminhamos por uma praia ao longo desse passeio percebemos de modo pessoal os diversos detalhes do caminho e da paisagem.

Apreciamos ou não determinados aspectos da trajetória ou do ambiente. Assim, gostamos mais da areia fofa ou da areia endurecida deixada pela maré vazante; apreciamos mais ou menos a presença de algas sobre a areia; preferimos caminhar sobre o solo mais seco ou molhar os pés à medida que avançamos; e assim por diante.

Terminada a caminhada, se olharmos para trás veremos que ao longo de nossa trajetória deixamos no mundo externo – na praia – as marcas da nossa passagem. São as nossas pegadas na areia e, além disso, o modo como elas estão impressas: mais ou menos profundamente, de acordo com o nosso peso; mais ou menos em linha reta, segundo o nosso modo de andar ou as paradas que eventualmente fizemos; mais ou menos regulares e distantes umas das outras, segundo o comprimento de nossas pernas e a velocidade com que andamos ou corremos.

Todos esses sinais constituem os registos, as evidências de como a estrutura do mundo externo “percebeu” nossa interação com ele. O mundo percebeu e registou a nossa passagem da maneira como pôde fazê-lo.

Mais ainda, ao longo desse nosso passeio na praia, também fomos percebidos por muitos olhos e ouvidos: os de outras pessoas que, de perto ou de longe, notadas ou não, testemunharam a nossa caminhada. E também por muitos outros olhos, ouvidos e outras formas e percepção de aves e outros seres vivos que, durante o nosso passeio, interagiram conosco. Pouco importa que não os tenhamos notado: mesmo assim, as interações aconteceram em sua multiplicidade e complexidade.

3. Pode-se concluir, portanto, que a percepção e as ações dela decorrentes não são fenômenos de direção única, do tipo sujeito -> objeto, observador ->  observado. Ou, no caso da medicina, que as ações de saúde não são «objetivas» e unidirecionais, do tipo médico -> paciente. Ao contrário, elas são uma via de mão dupla: sujeito D objeto, observador D observado, médico D paciente. O sujeito/observador percebe o objeto/observado à sua maneira, e também é percebido pelo objeto/observado à maneira peculiar deste.

Em suma, não existe percepção somente subjetiva, nem percepção apenas objetiva. A percepção resulta de uma troca, de um intercâmbio entre o percebido e o percebido. Mas cada um percebe o outro a seu modo: segundo a maneira como está estruturado para tanto. Por conseguinte, se houver mudança de estrutura haverá também mudança de modos de perceber e, consequentemente de agir. Este é um ponto fundamental e será retomado adiante.

fenômeno da percepção é o mesmo, mas seus agentes são múltiplos. Esse facto tem grande importância prática em todas as ações humanas, inclusive, é claro, na medicina e na educação. Por exemplo, quando um professor dá uma aula, aquilo que ele comunica a seus alunos é percebido e entendido de modo diverso de aluno para aluno. São percepções semelhantes mas são diferentes, individuais. Os especialistas em comunicação já notaram esse fenómeno há muito tempo. Isso os levou a concluir que o resultado final da comunicação não é exatamente o que é emitido pelo comunicador, mas sim o que é individualmente recebido pelos receptores de sua mensagem.

É o que estabelece o teorema de Shannon: «Uma mensagem enviada por meio de um canal qualquer sofre interferências no decurso da transmissão, de modo que à sua chegada parte das informações que ela continha é perdida». Vemos, portanto, que qualquer comunicação ou mensagem está sujeita a «ruídos», erros, interferências imprevistas, e tudo isso pode alterar ou deturpar seu conteúdo original.
Em um livro magistral que todo médico deveria ler – «O caráter oculto da saúde» –, o filósofo Hans-Georg Gadamer observa: «O diálogo promove a humanização da relação entre uma diferença fundamental, a que há entre o médico e o paciente. Tais relações desiguais pertencem às mais difíceis tarefas entre os seres humanos. O pai e o filho. A mãe e a filha. O professor, o jurista, o pastor. Resumindo: o profissional. Mas isso é algo que qualquer um de nós conhece bem, o quanto é difícil entendermo-nos!».3

Uma consciência cada vez mais ampla dessa dificuldade é indispensável a qualquer relação interpessoal – e a relação médico-paciente está entre as mais importantes. Para superar esse e outros obstáculos, precisamos aprender a pôr em prática um dos fundamentos do pensamento complexo: a unidade na multiplicidade (unitas multiplex). Segundo esse princípio, os seres humanos são todos iguais (compartilham a condição humana), mas ao mesmo tempo são todos diferentes (são indivíduos, têm origens diferentes, atividades diferentes, visões de mundo diversas).

Sabemos que a experiência de estar doente não é vivida da mesma maneira por todas as pessoas. A atitude de cada um de nós em relação à doença varia na razão direta da complexidade da condição humana, suas contingências e muitas outras variáveis. A nacionalidade, a etnia, o status econômico e social e as crenças religiosas são apenas alguns exemplos dessas variáveis. Assim como deixamos nossas pegadas na areia, a praia também deixa em nós as suas marcas. A influência da paisagem e de seus detalhes sobre o nosso estado de espírito e condições de saúde durante o passeio estão entre elas. De modo análogo, as doenças – as próprias ou as dos outros – também deixam suas marcas em todos nós, médicos ou não.

Por tudo isso, uma profunda reflexão sobre as relações da medicina não apenas com a saúde ou a doença, mas também com a totalidade e a complexidade da condição humana deveria fazer parte da educação médica. Em todos os sentidos, todas as escolas médicas e todos os países.


Seria possível chegar a isso em nossa era mecanicista e objetivista? Para tentar responder a essa pergunta, retomemos uma frase escrita linhas atrás. Ela sugere-nos uma resposta: se conseguirmos fazer mudanças suficientes em nossa estrutura cognitiva, haverá modificações em nossos modos de perceber e, consequentemente em nossos modos de agir. Por tais modificações devemos entender mudanças de modelos mentais, de modos de pensar. Trata-se, evidentemente, de uma tarefa de imensas proporções – mas nem por isso ela deve nos deixar desanimados. Essa é a proposta-chave do pensamento complexo.

HUMBERTO MARIOTTI. Médico e psicoterapeuta. Professor e Coordenador do Centro de Desenvolvimento de Lideranças da Business School São Paulo.


sábado, 22 de março de 2014

PREVENINDO O SOBREDIAGNÓSTICO: COMO PARAR DE PREJUDICAR PESSOAS SAUDÁVEIS ...


Acumulam-se evidências de que a medicina está prejudicando pessoas saudáveis através da detecção cada vez mais precoce e da definição cada vez mais ampla de doença. 

A tão elogiada capacidade da medicina de ajudar os doentes está sendo rapidamente desafiada por sua propensão em prejudicar os saudáveis. Uma literatura científica em expansão está fomentando a preocupação pública de que muitas pessoas estejam sendo sobredosadas, sobretratadas e sobrediagnosticadas. Programas de rastreamento têm detectado casos de câncer em estágio inicial que jamais causariam sintomas ou morte; tecnologias de diagnóstico sensíveis identificam “anormalidades” tão minúsculas que continuariam benignas; ampliação das definições de doença significa que pessoas em riscos ainda muito pequenos recebem rótulos médicos permanentes e tratamentos vitalícios que não beneficiariam muitas delas.
Com estimativas de que mais de US$200 bilhões sejam desperdiçados em tratamentos desnecessários por ano nos Estados Unidos, o ônus cumulativo do sobrediagnóstico representa uma ameaça significativa à saúde humana. A mudanças dos critérios diagnósticos de várias condições, está fazendo com que virtualmente toda a população de idosos seja classificada como portadora de ao menos uma condição crônica. 
Definido estritamente, o sobrediagnóstico ocorre quando pessoas sem sintomas são diagnosticadas com uma doença que, em última instância, não faria com que apresentassem sintomas ou morressem precocemente.Definido mais amplamente, ele se refere a problemas relacionados a excesso de medicalização e sobretratamento subsequente, perigo do diagnóstico, mudança de limiares e alarmismo da doença – todos processos que ajudam a reclassificar pessoas saudáveis com problemas pequenos ou em baixo risco como doentes.


O aspecto negativo do sobrediagnóstico inclui os efeitos negativos da rotulagem desnecessária, os danos decorrentes de exames e terapias desnecessários e o custo oportunista de recursos desperdiçados que poderiam ser mais bem-empregados para tratar ou prevenir doenças reais. O desafio é articular a natureza e a extensão do problema de maneira mais ampla, identificar padrões ou motivadores e desenvolver um pacote de respostas que sejam desde clínicas até culturais.

No nível clínico, um objetivo primordial é discriminar melhor “anormalidades” benignas daquelas que prosseguirão e causarão danos. Em termos de orientação e conscientização do público e dos profissionais, são necessárias informações mais honestas sobre o risco de sobrediagnóstico, particularmente com relação ao rastreamento. Mais profundamente, as evidências cumulativas de que estamos prejudicando pessoas saudáveis podem forçar o questionamento de nossa crença na detecção cada vez mais precoce, uma renovação do processo de definição de doença e uma mudança fundamental nos incentivos sistêmicos que levam a excessos perigosos.

No próximo ano, uma conferência científica internacional chamada Preventing Overdiagnosis terá como objetivo aprofundar a compreensão e a conscientização do problema e sua prevenção. A conferência acontecerá em 10-12 de setembro de 2013 nos Estados Unidos, organizada pelo Dartmouth Institute for Health Policy and Clinical Practice em parceria com o BMJ, a organização americana líder de consumidores Consumer Reports e a Bond University. A conferência é oportuna, já que a crescente preocupação com o sobrediagnóstico está abrindo caminho para uma ação coordenada. A seção “Less is More” do Archives of Internal Medicine regularmente questiona a base de evidências; os grupos de política de saúde de alto nível na Europa estão discutindo maneiras de lidar com o excesso;e a campanha recentemente lançada Choosing Wisely (Escolhendo com Sabedoria) adverte sobre a quantidade de exames e tratamentos potencialmente desnecessários em nove especialidades.

Vários fatores – incluindo a melhor das intenções – estão motivando o sobrediagnóstico, porém os avanços tecnológicos são um importante contribuinte. 

A literatura sugere várias e amplas vias relacionadas ao sobrediagnóstico: o sobrediagnóstico detectado no rastreamento de pessoas sem sintomas; o sobrediagnóstico resultante do uso de exames cada vez mais sensíveis em pessoas com sintomas; o sobrediagnóstico acidental (“acidentalomas”) e o sobrediagnóstico resultante de definições excessivamente ampliadas de doença. Essas diferentes vias não são mutuamente exclusivas, e uma classificação mais rigorosa das diversas formas de sobrediagnóstico será foco de discussão na conferência científica de 2013.



Sobrediagnóstico detectado em rastreamento

Essa via de sobrediagnóstico ocorre quando um programa de rastreamento detecta doença em uma pessoa sem sintomas, porém a doença está em um estágio que jamais causaria sintomas ou morte precoce. Às vezes, isso é chamado de pseudodoença. Ao contrário das noções populares de que os tipos de câncer são universalmente nocivos e fatais, alguns podem regredir, deixar de progredir ou progredir tão lentamente que não causarão danos antes que o indivíduo morra por outras causas.
Conforme discutiremos a seguir, há fortes evidências de ensaios clínicos randomizados e outros estudos que comparam populações rastreadas e não rastreadas de que uma importante proporção dos casos de câncer detectados através de alguns programas populares de rastreamento podem ser pseudodoenças. 

Evidências de estudos de autópsias sugerem um grande reservatório de doença subclínica na população em geral, incluindo câncer de próstata, tireoide e mama, cuja maior parte nunca causou danos.De maneira similar, rastrear o coração de pessoas sem sintomas ou em baixo risco também pode levar ao sobrediagnóstico de aterosclerose coronária e a subsequentes intervenções desnecessárias.Nosso entendimento seja da natureza e da extensão do sobrediagnóstico, seja da quantidade de pseudodoença detectada pelo rastreamento continua limitado, mas está evoluindo e, como observaram recentemente Woolfe e Harris no JAMA , “a preocupação com o sobrediagnóstico é justificada”. 

Exames cada vez mais sensíveis

As pessoas que se apresentam aos médicos com sintomas também podem ser sobrediagnosticadas, já que as mudanças nas tecnologias ou nos métodos de diagnóstico permitiram a identificação de formas menos graves de doenças ou distúrbios. Torna-se cada vez mais claro que uma proporção substancial dessas “anormalidades” iniciais nunca progredirá, o que levanta questões inusitadas sobre exatamente quando se deve usar os rótulos diagnósticos e abordagens terapêuticas tradicionalmente empregados contra formas muito mais graves de doença.

Acidentalomas

Exames de imagens diagnósticas do abdome, da pelve, do tórax, da cabeça e do pescoço podem revelar “achados acidentais” em até 40% dos indivíduos que estão sendo examinados por outros motivos.Alguns deles são tumores, e a maior parte desses “acidentalomas” é benigna. Um número muito pequeno de pessoas se beneficiaria da detecção precoce de um tumor maligno acidental, enquanto outras sofreriam de ansiedade e efeitos adversos de outros exames e tratamentos de uma “anormalidade” que jamais as teria prejudicado. Como outros pesquisadores têm demonstrado, a rápida ascensão da incidência de alguns tipos de câncer, comparada a taxas de mortes relativamente estáveis, é um fenômeno que sugere sobrediagnóstico disseminado, seja por rastreamento, seja pela detecção de acidentalomas.

Definições excessivamente ampliadas

Outra via para o sobrediagnóstico é através da ampliação das fronteiras da doença e da redução dos limiares de tratamento a um ponto em que um rótulo médico e a terapia subsequente podem causar mais danos do que fazer bem às pessoas. A mudança dos critérios diagnósticos de várias condições está aumentando o número de pessoas definidas como doentes, fazendo com que virtualmente toda a população de idosos seja classificada como portadora de ao menos uma condição crônica. Essa ampliação aconteceu tanto no caso de condições assintomáticas que representam risco de um evento adverso, como a osteoporose, em que os tratamentos causam mais danos do que benefícios àqueles com risco muito baixo de fratura, quanto no caso de condições comportamentais, como a disfunção sexual feminina, em que dificuldades comuns foram reclassificadas como disfunções.

As evidencias mais forte do sobrediagnostico provem dos estudos de câncer de mama detectado no rastreamento.

Essas mudanças nos critérios diagnósticos são comumente feitas por grupos de profissionais da saúde que mantêm vínculos financeiros com companhias que se beneficiam diretamente de qualquer expansão do grupo de pacientes. Conforme as definições ampliam-se e os limiares caem, as pessoas com riscos menores ou problemas menos graves são rotuladas, o que significa que os potenciais benefícios do tratamento declinam, levantando-se a possibilidade de que os danos superem os benefícios. Segundo Welch e colaboradores estimaram em seu livro Overdiagnosed,3 de 2011, muitas pessoas diagnosticadas e tratadas por um longo período para concentrações de colesterol próximas do normal ou osteoporose próxima do normal podem estar sendo “sobrediagnosticadas”, no sentido de que nunca teriam apresentado os eventos que seus tratamentos pretendem prevenir.

Uma modalidade relacionada de sobrediagnóstico ocorre quando as pessoas são diagnosticadas fora dos critérios já ampliados de diagnóstico, como ocorre quando as normas inapropriadas do fabricante exageram a incidência de uma anormalidade, quando os métodos de diagnóstico erroneamente rotulam flutuações randômicas ou normais em biomarcadores como anormalidades reais ou quando qualificadores importantes são deixados de fora do processo diagnóstico.


Problemas do sobrediagnóstico
Asma – um estudo canadense sugere que 30% das pessoas com o diagnóstico podem não sofrer de asma, enquanto 66% delas podem não precisar de medicação.
 
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – as definições ampliadas levaram a preocupações com o sobrediagnóstico; meninos nascidos no final do ano escolar apresentam uma chance 30% maior de receber o diagnóstico e chance 40% maior de serem medicados do que aqueles nascidos no começo do ano.
 
Câncer de mama – uma revisão sistemática sugere que até um terço dos casos de câncer detectados no rastreamento podem ser sobrediagnosticados.
 
Doença renal crônica – a definição controversa classifica uma em cada dez pessoas como portadora da doença; há preocupações com o sobrediagnóstico de muitos idosos.
 
Diabete gestacional – a definição expandida classifica quase uma em cada cinco gestantes.
 
Hipertensão arterial – uma revisão sistemática sugere a possibilidade de sobrediagnóstico substancial.
Colesterol alto – estima-se que até 80% das pessoas com colesterol quase normal tratadas a vida toda podem ser sobrediagnosticadas.
 
Câncer de pulmão – cerca de 25% ou mais dos casos de câncer de pulmão detectados no rastreamento podem ser sobrediagnosticados.
 
Osteoporose – as definições expandidas podem significar que muitas mulheres de baixo risco sofrem danos.
 
Câncer de próstata – o risco de um câncer detectado pelo PSA ser sobrediagnosticado pode ser superior a 60%.
 
Embolia pulmonar – o aumento na sensibilidade do diagnóstico leva à detecção de pequenos êmbolos, porém muitos deles não exigem tratamento com anticoagulante.
 
Câncer de tireoide – grande parte do aumento observado na incidência pode ser devido ao sobrediagnóstico.

Exemplos de sobrediagnóstico

As crescentes evidências relativas ao sobrediagnóstico sugerem que o problema pode existir em extensões variadas e em diversas condições , incluindo aquelas para as quais o subdiagnóstico pode, simultaneamente, estar ocorrendo. Para algumas condições, as evidências continuam provisórias e especulativas; para outras, tornaram-se muito mais robustas.

Câncer de mama

Certamente, as evidências mais fortes do sobrediagnóstico provêm de estudos de câncer de mama detectado no rastreamento, embora as estimativas de sua extensão tenham grande variação. Uma revisão sistemática de 2007 no Lancet Oncology concluiu que a proporção de sobrediagnóstico de câncer de mama invasivo entre mulheres na casa dos 50 anos variava entre 1,7% e 54%. Um estudo australiano estimou que a taxa fosse de pelo menos 30%,enquanto um estudo norueguês calculou 15-25%. Uma revisão sistemática de 2009 no BMJ concluiu que até um terço de todos os casos de câncer detectados no rastreamento podem ser sobrediagnosticados. Entretanto, mesmo com fortes evidências de estudos de base populacional, atualmente é impossível discriminar entre os tipos de câncer que causariam dano e aqueles que não causariam.

Câncer de tireoide 

Embora as chances de exames detectarem uma “anormalidade” na tireoide sejam altas, o risco de algum dia causar danos é pequeno. A análise da crescente incidência mostra que muitos dos casos de câncer de tireoide recentemente diagnosticados são as formas menores e menos agressivas que não exigem tratamento, que por si carreiam o risco de lesões aos nervos e medicamentos de longo prazo.

Diabete gestacional 

Uma revisão de 2010 dos critérios que definem o diabete gestacional recomendou uma drástica redução do limiar de diagnóstico, fazendo com que mais do que o dobro das gestantes fossem classificadas em quase 18%. Os proponentes argumentam que o rastreamento universal com a nova definição reduzirá os problemas de saúde, incluindo os bebês “grandes para a idade gestacional”. Os críticos, no entanto, reivindicam um debate urgente antes que a nova definição expandida seja mais amplamente adotada, já que receiam que muitas mulheres possam ser sobremedicadas e sobrediagnosticadas. Além disso, o exame de rastreamento tem reprodutibilidade ruim para casos moderados, e as evidências de benefícios para gestantes recentemente diagnosticadas são fracas e os benefícios, na melhor das hipóteses, são modestos.

Doença renal crônica

Mais de 10% dos adultos nos Estados Unidos são classificados como portadores de alguma forma de doença renal crônica. Uma definição de trabalho lançada como parte de novas diretrizes clínicas afirma que uma taxa de filtração glomerular estimada (eGFR) inferior a 60 ml/min/1,73 m2 e inalterada por três meses ou mais é considerada anormal, uma decisão que, segundo os críticos, automaticamente cria o potencial de sobrediagnóstico, particularmente entre os idosos.

Uma crença intuitiva na detecção precoce, alimentada pela profunda sé na tecnologia médica está no cerce do problema do sobrediagnóstico.

De acordo com Winearls e Glassock, o novo sistema de classificação é “como uma pesca de arrastão” e “captura muito mais inocentes do que deveria”. Os autores estimam que até um terço das pessoas com mais de 65 anos atendem aos novos critérios e, entre essas pessoas, menos de uma em 1.000 desenvolverá doença renal terminal a cada ano. Também apontam para problemas importantes quanto à confiabilidade e à consistência do exame de eGFR, expressando preocupações de que muitos idosos estejam sendo rotulados com base em uma única medida laboratorial potencialmente imprecisa. Em outra ocasião, argumentaram que “a maioria daqueles considerados portadores de doença renal crônica não apresenta doença renal identificável” e destacaram tentativas de algumas organizações de se distanciar da nova e controversa definição, de aumentar o limiar para diagnóstico e de reduzir drasticamente a prevalência.Respondendo às críticas, os proponentes defenderam a nova definição como sendo “clara, simples e útil”.

Asma

Embora a asma possa ser grave, porém subdiagnosticada e subtratada, alguns estudos sugerem que também pode haver sobrediagnóstico substancial. Um grande estudo em 2008 concluiu que quase 30% das pessoas diagnosticadas como portadoras de asma não sofriam da condição, e quase 66% delas não precisavam de medicamentos ou cuidados para a asma durante seis meses de seguimento. 
Os autores concluíram: “Uma proporção substancial de pessoas (...) pode ser sobrediagnosticada com asma e receber medicamentos desnecessários”. No mesmo ano, um estudo holandês concluiu que, de 1.100 pacientes que utilizavam corticosteroides inalados, 30% poderiam estar usando os medicamentos sem qualquer indicação clara.

Embolia pulmonar 

Os médicos pensam na embolia pulmonar como um diagnóstico que “não pode passar despercebido”, pois a falha em detectá-lo tem consequên­cias catastróficas. Historicamente, tal condição era diagnosticada apenas quando o bloqueio era grande o suficiente para causar infarto de parte do pulmão ou instabilidade hemodinâmica. Nesses pacientes, o tratamento com um anticoagulante ou agente trombolítico era considerado obrigatório. Hoje, porém, a angiotomografia pulmonar (angio-TC) é capaz de detectar coágulos menores, e há incerteza quanto à necessidade de sempre tratar. 
Analisando tendências antes e depois da introdução da angiotomografia pulmonar, Weiner e colaboradores sugeriram que a quase duplicação da incidência “reflete uma epidemia de exames diagnósticos que criou o sobrediagnóstico”, com grande parte do aumento composto de casos “clinicamente sem importância”, que “não teriam sido fatais mesmo que não diagnosticados e não tratados”. Um estudo observacional está investigando a segurança de não tratar pessoas com êmbolos muito pequenos.

Motivadores do sobrediagnóstico

• Mudanças tecnológicas que detectam “anormalidades” cada vez menores.
• Interesses comerciais e profissionais velados.
• Grupos com conflitos de interesse que produzem definições expandidas de doenças e redigem diretrizes.
• Incentivos legais que punem o subdiagnóstico, mas não o sobrediagnóstico. 
• Incentivos do sistema de saúde que favorecem mais exames e tratamentos.
• Crenças culturais de que mais é melhor; fé na detecção precoce não modificada pelos seus riscos.

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

Muito tem sido escrito sobre a expansão das definições diagnósticas na doença mental e sobre as preocupações com os perigos do sobretratamento. O debate foi intensificado com sugestões de que os processos atuais para definição de doença possam estar contribuindo para o sobrediagnóstico disseminado de condições como os transtornos bipolar, autista e de déficit de atenção e hiperatividade. Um foco de preocupação é o possível sobrediagnóstico de crianças, o qual não têm influência na adequação de um rótulo que pode mudar suas vidas permanentemente. Isso é particularmente saliente com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Um estudo recente de quase um milhão de crianças canadenses concluiu que meninos nascidos em dezembro (tipicamente os mais jovens do ano) apresentavam uma chance 30% maior de receber o diagnóstico e uma chance 40% maior de receber medicamentos do que aqueles nascidos em janeiro. Os autores concluíram que seus achados “levantam preocupações sobre os potenciais danos do sobrediagnóstico e da sobreprescrição”.

Motivadores do sobrediagnóstico

As forças que motivam o sobrediagnóstico estão profundamente incorporadas na cultura da medicina e da sociedade mais ampla, destacando os desafios enfrentados por qualquer tentativa de combatê-las. Um grande motivador é a própria mudança tecnológica. Black descreveu, em 1998, que a capacidade de detectar anormalidades menores axiomaticamente tende a aumentar a prevalência de qualquer doença. Por sua vez, isso leva à supervalorização dos benefícios das terapias, pois formas mais leves de doença são tratadas e as melhorias na saúde são erroneamente atribuídas ao sucesso do tratamento, criando um circuito de “falso feedback” que alimenta um “ciclo de aumento dos exames e tratamentos que pode, por fim, causar mais danos do que benefícios”. 

As indústrias que se beneficiam dos mercados expandidos de exames e tratamentos têm ampla influência na profissão médica e na sociedade em geral, seja através de laços financeiros com grupos profissionais e de pacientes, seja através do financiamento de propaganda direta ao consumidor, fundações de pesquisa, campanhas para conscientização de doenças e orientação médica. 
Ainda mais importante, os membros dos grupos que redigem as definições de doenças ou os limiares para tratamento costumam manter laços financeiros com companhias que só têm a ganhar com a expansão dos mercados. De maneira similar, os profissionais da saúde e suas associações podem ter interesse na maximização do grupo de pacientes em sua especialidade; assim, os autoencaminhamentos por médicos a tecnologias diagnósticas ou terapêuticas nas quais tenham interesse comercial também podem motivar diagnósticos desnecessários.
 
Evitar ações judiciais e a psicologia do arrependimento são outros motivadores óbvios, uma vez que os profissionais podem ser punidos por não perceber os sinais iniciais de doenças, mas geralmente não enfrentam sanções pelo sobrediagnóstico. Medidas de qualidade focadas em fazer mais também podem estimular o sobrediagnóstico a fim de atingir metas para incentivos financeiros.
 
Uma crença intuitiva na detecção precoce, alimentada pela profunda fé na tecnologia médica, certamente está no cerne do problema do sobrediagnóstico. Cada vez mais consideramos o fato de simplesmente estar “em risco” de doença futura como tendo a doença em si. Começando com o tratamento da hipertensão arterial no meio do século 20 proporções crescentes da população saudável têm sido medicalizadas e medicadas para um número também crescente de condições assintomáticas, com base apenas em seu risco estimado de eventos futuros. 

Embora a abordagem tenha reduzido o sofrimento e prolongado a vida de muitos indivíduos, para aqueles sobrediagnosticados ela desnecessariamente transformou a experiência de vida em uma confusa teia de condições crônicas. A norma cultural de que “mais é melhor” é confirmada por evidências recentes sugestivas de que a satisfação do paciente flui do maior acesso a exames e tratamentos, embora um maior volume de cuidado possa estar associado a mais danos.

O que podemos fazer?

Com base no conhecimento e na atividade existentes, a conferência de 2013 oferecerá um fórum para mais aprendizado, aumento da conscientização e desenvolvimento de maneiras para prevenir o problema do sobrediagnóstico (www.preventingoverdiagnosis.net). As pesquisas relativas a tal questão são agora reconhecidas como parte do futuro direcionamento científico do setor de prevenção de câncer do Instituto Nacional do Câncer nos Estados Unidos. 
A conferência de 2013 espera dar aos pesquisadores que trabalham nessa área a chance de compartilhar e debater métodos, bem como avançar em suas agendas de pesquisas. Com respeito à orientação, o desenvolvimento de uma variedade de currículos e pacotes de informações ajudará a aumentar a conscientização quanto aos riscos do sobrediagnóstico, particularmente associados ao rastreamento.
 
Em associação com o BMJ, está sendo planejada uma série de artigos sobre o potencial de sobrediagnóstico em condições específicas. E, no nível da prática clínica, novos protocolos estão sendo desenvolvidos para que se tenha mais cautela no tratamento de acidentalomas. Além disso, há solicitações para que consideremos aumentar os limiares que definem o “anormal” – por exemplo, no rastreamento do câncer de mama – e avaliemos os métodos de observação de alterações em algumas patologias suspeitas com o tempo, em vez de intervirmos imediatamente. Conforme mencionamos, estudos em estágio inicial acerca de como não diagnosticar ou interromper a prescrição com segurança estão começando a surgir.
 
Em nível de políticas, a reforma do processo de definição de doença é exigida com urgência, com um modelo originário dos National Institutes of Health, nos Estados Unidos, em que as pessoas com conflitos de interesse financeiros ou de reputação são desqualificadas da participação em grupos. A avaliação isenta das evidências pode resultar no estreitamento das definições de doença, como tem sido observado com as recentes tentativas de propostas para aumentar limiares para hipertensão arterial, o que poderia causar a “desmedicalização” de até 100 milhões de pessoas. Os processos para definição de doença também se beneficiarão da tentativa de sintetizar as evidências da medicina clínica com a literatura sobre as mais amplas determinantes ambientais e sociais da saúde. Outras reformas políticas deverão revisar a permanência de alguns rótulos diagnósticos, abordar pedidos de maior independência no desenho e na condução de estudos científicos e ajustar os incentivos estruturais e legais que motivam o sobrediagnóstico.

A preocupação com o sobrediagnóstico não pode impedir que muitas pessoas recebam cuidados de saúde bastante necessários. Ao contrário, os recursos desperdiçados com o cuidado desnecessário serão mais bem-aplicados tratando-se e prevenindo-se doenças reais. O desafio é decidir qual é qual, além de produzir e disseminar evidências que nos ajudem a tomar decisões mais informadas sobre quando um diagnóstico pode fazer mais bem do que mal.





PREVENINDO A OVERDIAGNOSIS ...

O exagero na hora de pedir exames pode estar causando mais males do que benefícios para os pacientes. O alerta é dado por especialistas que já cunharam um termo para esse cenário – é o overdiagnosis. 
O conceito foi traduzido ao pé da letra para o português. Aqui,  ganhou o nome de superdiagnóstico. 
A situação é preocupante, pessoas estão ficando doentes e até morrendo enquanto profissionais médicos se orgulham de ter descoberto uma doença precocemente e iniciado o tratamento a todo custo, alerta o professor do Dartmouth Institute for Health Policy e autor do livro “Overdiagnosed: Making People Sick in the Pursuit of Health, H. Gilbert Welch. “O título da obra é o resumo da situação verificada por ele. Pacientes estão adoecendo enquanto, no pleno exercício da atividade médica, busca-se a saúde.
Há um cenário complexo com vários culpados. Alguns médicos têm receio de sofrerem processos e preferem pedir mais exames e iniciar o tratamento o quanto antes, do que esperar a evolução do quadro clínico. Por outro lado, muitas empresas do setor de saúde vendem o diagnóstico como algo milagroso e não informam que é preciso que um bom profissional faça cruzamentos de informações e cálculos probabilísticos. Além disso a mídia exalta equipamentos e técnicas de forma espetaculosa e algumas pessoas simplesmente se envolvem em toda essa situação sem muitas informações sobre sua doença e tratamento.
Vários tipos de câncer são enquadrados na situação de superdiagnóstico. A mamografia é um exemplo, segundo os críticos, as mulheres estão sendo levadas a um clima de pânico ao menor ponto mostrado no exame. Com isso, são tratadas de maneira urgente quando deveriam gastar mais tempo analisando o nódulo e todas as probabilidades e informações disponíveis para a certeza do que fazer e quando. Outros são submetidos à radiação, cirurgias complicadas e remédios com graves efeitos colaterais antes mesmo de terem um sintoma da doença.
Alguns tipos de câncer, quando diagnosticados e tratados de forma precoce, podem comprometer a própria recuperação do paciente, é um contrassenso que a busca da solução traga mais problemas para os pacientes.
Câncer de tireóide, de próstata e melanoma também caem nesse quadro de exagero precoce e prejudicial ao paciente. O mais recente alvo de quem alerta para o superdiagnóstico é o déficit de atenção (DDAH). Um estudo da University of British Columbia, com crianças em idade escolar, trouxe à tona dados que podem mostrar que há confusão entre comportamento imaturo e doença.
A pesquisa comparou alunos nascidos em dezembro e janeiro do mesmo ano na mesma fase escolar. O resultado mostrou que os mais novos têm 39% de chances a mais de serem diagnosticados com déficit de atenção do que os por meses mais velhos. E 48% daquele grupo será provavelmente tratado com medicamentos que, usados de forma exagerada e incorreta, podem trazer problemas futuros para quem está no estágio inicial da vida.
O superdiagnóstico existe e o quadro é grave , embora seja algo que ainda não se tem certeza do tamanho do problema no Brasil . A discussão sobre isso é necessária, o deslumbramento com novidades e tecnologias da indústria não está agregando saúde ao paciente. Para reverter essa situação, muita coisa precisaria mudar.
Todos estarão em busca de uma cura para esse quadro de exagero de diagnóstico que parece endêmico. Os caminhos traçados provavelmente serão os que apontam para o bom aproveitamento da evolução das técnicas e tecnologias de diagnóstico. E, claro, para a saúde do paciente.

QUALIDADE NO ATENDIMENTO!





Visando a qualidade no atendimento e a segurança do paciente, os planos de saúde do País terão que avaliar e qualificar os hospitais e os profissionais de saúde.

A partir de março, planos de saúde serão obrigados a informar a qualificação da rede de serviços, incluindo médicos e hospitais.

Todas as operadoras de planos de saúde serão obrigadas a informar aos clientes indicativos de qualidade de sua rede de prestadores de serviço. Segundo o diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), André Longo, hospitais, laboratórios e médicos serão qualificados de acordo com uma série de critérios estabelecidos pela agência.

O resultado dessa avaliação deverá ser publicado pelas operadoras em todo o material de divulgação de sua rede assistencial, nas versões on-line e impressa. A iniciativa faz parte do programa Qualiss, desenvolvido pela ANS para tentar melhorar o controle sobre a qualidade do serviço prestado.

Os símbolos ficam perto do nome do profissional.

Por exemplo, médicos e dentistas com título de especialista são identificados pela letra E. Quem tem residência é identificado pelo R. Hospitais, clínicas e laboratórios são avaliados, por exemplo, pelo padrão de qualidade – o símbolo é A PALC.

O plano de saúde que descumprir a norma pode ser multado em até R$ 35 mil.

Veja todas as identificações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS):



O programa vai pontuar, por um conjunto de atributos de qualificação, tanto os profissionais quanto a rede hospitalar, clínica e de laboratórios que têm convênio com operadoras. 
A ANS quer avaliar a qualidade desse serviço que está sendo prestado ao consumidor para dar mais segurança e, também, para dar uma divulgação desses indicadores e facilitar a escolha do consumidor quando for buscar algum tipo de serviço.

Medida da ANS entrará em vigor no próximo mês!





sexta-feira, 7 de março de 2014

Novo crachá avisa quando o Profissional de Saúde está com mão suja!



Sistema tem como meta reduzir índices de infecção hospitalar


O gesto é simples e capaz de evitar a morte de pacientes internados,porém, nem todos se lembram dele. Uma empresa carioca desenvolveu um sistema de monitoramento que avisa ao profissional de saúde a hora de higienizar a mão.

Toda vez que uma ‘mão suja’ se aproximar do leito do doente, um alarme poderá ser disparado, através de crachás usados pelos médicos ou enfermeiros.


A técnica é inédita no Brasil, segundo Elyr Teixeira, mestre em Engenharia Biomédica.O principal objetivo é evitar mortes decorrentes de infecções hospitalares, já que as mãos são a principal via de contaminação. Ele lembra que o modelo criado não altera a rotina hospitalar e garante maior rigor com a higienização. 

Hoje, o controle da higienização dos profissionais é feito de forma ‘manual’, por profissionais da Comissão e Controle de Infecções Hospitalares.É uma fiscalização passível de erro, e não havia uma ferramenta de controle mais prática, além de rígida.

Pelo software, é possível ver a frequência com que cada profissional limpa as mãos e onde. 

A previsão é de que os crachás estejam disponíveis em quatro meses. Hospitais do Rio, inclusive uma unidade pública, já demonstraram interesse em usá-los. “O custo de perder vidas é muito maior. Se o hospital não quiser o alarme, pode optar por uma luz especial”, pontua.

Equipamentos e roupas

A limpeza dos hospitais não envolve apenas a higienização das mãos, mas também a de equipamentos como estetoscópio, catéter, além de roupas usadas pelos profissionais. O alerta é de Leila Macedo, presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio). “O paciente muitas vezes entra com uma doença e sai com uma infecção. Ou o pior: nem sai do hospital”.
Leila explica que pessoas internadas apresentam sistema de defesa debilitado, o que aumenta as chances de infecção hospitalar. Além disso, em unidades superlotadas o risco é maior, já que a proximidade entre os pacientes é grande. “Isso gera aumento das bactérias e, em alguns casos, resistência e antibióticos”.
Segundo a especialista, profissionais de saúde não devem sair do hospital vestindo o jaleco ou transportando o estetoscópio, já que a prática leva contaminação da rua para o hospital.



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

GERENCIANDO RISCO NA SAÚDE ...



Gerenciando Riscos

Risco é o efeito da incerteza sobre os objetivos. Segundo os especialistas em Gestão de Riscos Eliana Cardoso Vieira Quintão e Eduardo Ramos Ferraz, “quando você se propõe a realizar um projeto, qualquer situação que se desvie do objetivo pode ser um risco”. A atividade de saúde, por sua natureza, oferece riscos, mas é possível ter gerência sobre eles reduzindo ou, em alguns casos, eliminando a sua ocorrência.

O principal objetivo da Gestão de Riscos na área de saúde é a redução dos eventos adversos que podem causar danos aos pacientes. Eventos estes que têm causa na assistência à saúde e não no processo da doença.
Apesar dos riscos serem inerentes à atividade, as normas usadas para Gestão de Riscos não são específicas para a saúde, mas são aplicáveis ao segmento, inclusive para os laboratórios. Deve envolver todos os colaboradores da instituição em todos os níveis hierárquicos.

Os ganhos são muitos: melhoria na governança e na identificação de oportunidades e ameaças, gestão pró-ativa, aumento na confiança das partes interessadas, o estabelecimento de uma base confiável para tomada de decisão, alocação e utilização mais adequadas dos recursos, melhoria na eficácia operacional e na eficiência, entre muitos outros benefícios. Em outras palavras: aumento na probabilidade de atingir os objetivos.
- Risco: Ameaça que pode virar oportunidade

Riscos são desvios. Desvios podem ser ameaças ou oportunidades. Uma ameaça é um risco “negativo” e uma oportunidade é um risco “positivo”. O segmento de saúde tem riscos inerentes à natureza da própria atividade.
Gerenciar riscos pode significar reluzi-los, eliminá-los ou transformá-los em oportunidades. Para isso, é fundamental o envolvimento de todos em uma instituição, além, é claro, do desenvolvimento de uma comunicação eficiente e de mão dupla com todas as partes interessadas: colaboradores, clientes, fornecedores, fontes pagadoras e investidores, entre outros.

- Gestão de Riscos

A ISO 31000:2009 define Gestão de Riscos como “atividades coordenadas para dirigir e controlar uma organização no que diz respeito ao risco”.

- Risco

É o efeito da incerteza sobre os objetivos. Quando você se propõe a realizar um processo, atividade ou projeto, qualquer situação que desvie do objetivo pode ser considerada um risco. Estes desvios podem ser ameaças, mas podem gerar oportunidades, ou seja, “risco positivo”. A atividade de saúde tem risco inerente e atribuível. O risco atribuível é aquele sobre o qual temos gerência e, portanto, pode ser eliminado ou reduzido a risco residual.

- Risco positivo

Este é um termo utilizado na AS/NZS 4360. São aquelas situações que podem ser desviadas do objetivo principal, mas proporcionar uma oportunidade de crescimento. Por exemplo: um pronto atendimento. Com o objetivo de atender melhor a sua população, há o investimento em melhoria na assistência. Como consequência, pode haver um aumento da demanda. Esta demanda nova pode tornar- se um problema por não ter sido prevista, mas também pode ser considerada positiva pelo fato de divulgar a imagem do hospital e gerar uma oportunidade de crescimento. Para isso, é só o laboratório ficar atento aos riscos positivos das suas ações e planejar-se para conduzí-los da melhor forma.

- Riscos mais comuns aos quais uma instituição está exposta

Cabe à instituição, diante do contexto no qual está inserida, identificar quais são as naturezas dos riscos aos quais ela está exposta. Estes podem ser, entre muitos outros, riscos estratégicos, ambientais, sociais, civis, ocupacionais, de imagem, fiscais, financeiros e sanitários.

- Metodologia de Gestão de Riscos aplicada na área da saúde

O principal objetivo da Gestão de Riscos na área de saúde é a redução dos eventos adversos que podem causar agravos nos pacientes, ou seja, evitar lesões não intencionais que resultam em incapacidade temporária ou permanente, morte ou prolongamento da internação, que tenham causa na assistência à saúde e não no processo propriamente dito da doença. A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem se esforçado para promover campanhas e treinamentos dos profissionais com o objetivo de aumentar a segurança dos pacientes. O risco de um evento adverso na saúde, segundo a OMS, é de uma ocorrência para 300 atendimentos. A OMS também dispõe de vários artigos com foco na gestão de riscos como, por exemplo, “A segurança do paciente cirúrgico”, “As tecnologias em saúde”, “A segurança do medicamento”, “O controle de infecções hospitalares”. Estes e outros artigos estão disponíveis no www.who.int/patientsafety/en/.

- Papel da Vigilância Sanitária na Gestão de Riscos

O objetivo da ANVISA é focado diretamente na identificação e controle dos riscos.

- Benefícios da Gestão de Riscos

Os principais benefícios são o aumento na probabilidade de atingir os objetivos, incentivo à gestão pró-ativa, desenvolvimento da consciência para a necessidade de se identificar e tratar os riscos em toda a organização, melhoria na identificação de oportunidades e ameaças, respeito às exigência legais e regulamentares, melhoria na notificação voluntária e na governança, aumento na confiança das partes interessadas, estabelecimento de uma base confiável para tomada de decisão e planejamento, melhoria nos controles, alocação e utilização mais adequadas dos recursos, melhoria na eficácia operacional e na eficiência, melhoria na saúde e segurança do trabalhador, bem como na proteção do ambiente, melhoria na prevenção de perdas e gestão de incidentes, redução das perdas, melhoria no aprendizado organizacional e melhoria continua da organização.

- Partes envolvidas na Gestão de Riscos

A Gestão de Riscos envolve todos os colaboradores da instituição em todos os níveis hierárquicos. Deve, ainda, existir uma comunicação eficiente e de mão dupla com todas as partes interessadas, tais como: colaboradores, clientes, fornecedores, fontes pagadoras e investidores, entre outros.

-Medição do nível de riscos

Frequentemente o risco é expresso pela combinação das consequências de um evento (gravidade) e a probabilidade de ocorrência (frequência). O nível de risco é resultante desta combinação: quanto maior a gravidade e frequência maior a graduação do risco. As escalas são:

Escala de gravidade:

1. Leve – quando pode causar um dano leve
2. Moderado – quando pode causar um dano moderado
3. Grave – quando pode causar um dado grave
4. Catastrófico – quando pode causar a morte ou um dano catastrófico
Escala de Probabilidade:
1. Raro – improvável de ocorrer
2. Incomum – possível de ocorrer
3. Ocasional – provavelmente irá ocorrer
4. Frequente – pode ocorrer imediatamente ou num intervalo curto de tempo

Na avaliação dos níveis dos riscos a organização deve definir a sua tolerância, ou seja, qual o nível aceitável e as suas medidas de controle (medidas preventivas e contingências).
A avaliação dos riscos é dinâmica considerando as medidas de controle implementadas e a sua eficácia, que podem modificar a gravidade e ou a probabilidade de um evento. Quanto mais crítico o risco, maior a importância na adoção de medidas preventivas e o monitoramento por indicadores. Da mesma forma na pré-definição de medidas corretivas a serem aplicadas quando o risco se concretizar.

- Passo a passo para a implementação da Gestão de Riscos

O processo inclui:
• Mapear os processos e as suas atividades críticas
• Identificar os riscos nas várias naturezas aplicáveis
• Definir a gradação dos níveis de riscos (probabilidade x gravidade)
• Definir as medidas preventivas para cada risco identificado
• Definir as medidas corretivas para cada risco identificado
• Estabelecer indicadores ou outras formas para o monitoramento do risco
• Analisar o impacto das medidas de controle implementadas
• Planejar ações de melhoria, quando necessário, não esquecendo da comunicação contínua com as partes interessadas.